Lei de Biot-Savart

Ilustração representando os termos envolvidos na Lei de Biot Savart

A Lei de Biot-Savart é uma equação do Eletromagnetismo que fornece o campo magnético B {\displaystyle \mathbf {B} } gerado por uma corrente elétrica I {\displaystyle \mathbf {I} } constante no tempo. Essa equação é válida no domínio da Magnetostática. Podemos dizer que a Lei de Biot-Savart é o ponto de partida para a Magnetostática, tendo assim um papel semelhante à Lei de Coulomb na Eletrostática.[1]

Motivação histórica

Ilustração esquemática do experimento de Oersted.

Já no século XVII havia, dentro da comunidade científica, a suspeita de que fenômenos elétricos e magnéticos pudessem estar interligados. Isso motivou o físico Hans Christian Oersted a conduzir experimentos para observar o efeito da eletricidade numa agulha magnética. Entre 1819 e 1820, Oersted observou que ao se posicionar um fio condutor de um circuito elétrico fechado paralelamente à agulha, essa sofria uma deflexão significativa em relação à sua direção inicial. Oersted publicou os resultados de seu experimento em julho de 1820, limitando-se a uma descrição qualitativa do fenômeno.

A descoberta de Oersted foi divulgada em setembro de 1820 na Academia Francesa, o que motivou diversos estudiosos na França a repetirem e estenderem seus experimentos. A primeira análise precisa do fenômeno foi publicada pelos físicos Jean-Baptiste Biot e Félix Savart, os quais conseguiram formular uma lei que descrevia matematicamente o campo magnético produzido por uma distribuição de corrente elétrica.[2]

A equação

Distribuições unidimensionais

Para distribuições unidimensionais de corrente, a lei de Biot-Savart possui a seguinte forma:

B ( r ) = μ 0 4 π I ( r ) × η ^ η 2 d l {\displaystyle \mathbf {B} (\mathbf {r} )={\frac {\mu _{0}}{4\pi }}\int {\frac {\mathbf {I(r')} \times \mathbf {\hat {\boldsymbol {\eta }}} }{\eta ^{2}}}dl'}

Nessa equação, d l {\displaystyle dl'} é um elemento infinitesimal de comprimento ao longo do trajeto da corrente, I {\displaystyle \mathbf {I} } é o vetor corrente elétrica e η ^ {\displaystyle {\hat {\boldsymbol {\eta }}}} é o versor ao longo da linha que une o elemento infinitesimal de comprimento d l {\displaystyle dl'} , cuja posição é r {\displaystyle \mathbf {r'} } , ao ponto de cálculo do campo r {\displaystyle \mathbf {r} } :

η ^ = η | η | = r r | r r | {\displaystyle {\hat {\boldsymbol {\eta }}}={\frac {\boldsymbol {\eta }}{|{\boldsymbol {\eta }}|}}={\frac {\mathbf {r} -\mathbf {r'} }{|\mathbf {r} -\mathbf {r'} |}}} ,

e a constante μ 0 {\displaystyle \mu _{0}} é a chamada permeabilidade magnética do vácuo

Distribuições bidimensionais

Podemos escrever uma expressão análoga para distribuições bidimensionais de corrente:



B ( r ) = μ 0 4 π K ( r ) × η ^ η 2 d a {\displaystyle \mathbf {B} (\mathbf {r} )={\frac {\mu _{0}}{4\pi }}\int {\frac {\mathbf {K} \mathbf {(r')} \times \mathbf {\hat {\boldsymbol {\eta }}} }{\eta ^{2}}}da'}

Onde K ( r ) {\displaystyle \mathbf {K} \mathbf {(r')} } é a corrente por unidade de comprimento-perpendicular-ao-fluxo, também chamada densidade superficial de corrente. Escreve-se:



K ( r ) = d I d l {\displaystyle \mathbf {K} \mathbf {(r')} ={\frac {d\mathbf {I} }{dl_{\perp }}}}

Distribuições tridimensionais

Para distribuições tridimensionais de corrente: B ( r ) = μ 0 4 π J ( r ) × η ^ η 2 d τ {\displaystyle \mathbf {B} (\mathbf {r} )={\frac {\mu _{0}}{4\pi }}\int {\frac {\mathbf {J(r')} \times \mathbf {\hat {\boldsymbol {\eta }}} }{\eta ^{2}}}d\tau '}

Onde J ( r ) {\displaystyle \mathbf {J} \mathbf {(r')} } é a corrente por unidade de área-perpendicular-ao-fluxo, também chamada densidade volumétrica de corrente. Escreve-se:

J ( r ) = d I d a {\displaystyle \mathbf {J} \mathbf {(r')} ={\frac {d\mathbf {I} }{da_{\perp }}}}

Notamos também que o elemento infinitesimal de comprimento d l {\displaystyle d\mathbf {l'} } deve ser substituído pelo elemento infinitesimal de área d a {\displaystyle d\mathbf {a'} } no caso de distribuições de corrente bidimensionais, e pelo elemento infinitesimal de volume d τ {\displaystyle d\mathbf {\tau '} } no caso de distribuições de corrente tridimensionais. Em todos os casos expostos nessa sessão, as correntes envolvidas são estacionárias.[3]

Aplicações

Campo de uma corrente retilínea num fio condutor

Ilustração do problema

A Lei de Biot-Savart pode ser empregada para calcular o campo magnético que uma corrente estacionária de intensidade I {\displaystyle I} passando por um fio retilíneo infinito causa num ponto P {\displaystyle P} a uma distância R {\displaystyle R} do fio. Pela regra da mão direita vemos que o produto vetorial d l × r ^ {\displaystyle d\mathbf {l} \times \mathbf {\hat {r}} } , para R {\displaystyle R} fixo, está contido em círculos de raio R {\displaystyle R} em torno do fio. O versor ao longo de tais círculos é representado por ϕ ^ {\displaystyle {\hat {\boldsymbol {\phi }}}} . Trabalhando em termos do ângulo θ {\displaystyle \theta } : d l sin α = d l cos θ {\displaystyle dl'\sin \alpha =dl'\cos \theta }

Como l = R tan θ {\displaystyle l'=R\tan \theta } : d l = R cos 2 θ d θ {\displaystyle dl'={\frac {R}{\cos ^{2}\theta }}d\theta }

E como R = r cos θ {\displaystyle R=r\cos \theta } : 1 r 2 = cos 2 θ R 2 {\displaystyle {\frac {1}{r^{2}}}={\frac {\cos ^{2}\theta }{R^{2}}}}

Para um trecho de fio indo de θ 1 {\displaystyle \theta _{1}} a θ 2 {\displaystyle \theta _{2}} :



B ( r ) = ϕ ^ μ 0 I 4 π θ 1 θ 2 ( cos 2 θ R 2 ) ( R cos 2 θ ) cos θ d θ = ϕ ^ μ 0 I 4 π R θ 1 θ 2 cos θ d θ = μ 0 I 4 π R ( sin θ 2 sin θ 1 ) {\displaystyle \mathbf {B(r)} ={\hat {\boldsymbol {\phi }}}{\frac {\mu _{0}I}{4\pi }}\int _{\theta _{1}}^{\theta _{2}}\left({\frac {\cos ^{2}\theta }{R^{2}}}\right)\left({\frac {R}{\cos ^{2}\theta }}\right)\cos \theta d\theta ={\hat {\boldsymbol {\phi }}}{\frac {\mu _{0}I}{4\pi R}}\int _{\theta _{1}}^{\theta _{2}}\cos \theta d\theta ={\frac {\mu _{0}I}{4\pi R}}(\sin \theta _{2}-\sin \theta _{1})}



Se o fio for infinito, então θ 1 = π 2 {\displaystyle \theta _{1}=-{\frac {\pi }{2}}} e θ 2 = π 2 {\displaystyle \theta _{2}={\frac {\pi }{2}}} e a expressão fica apenas: B = μ 0 I 2 π R ϕ ^ {\displaystyle \mathbf {B} ={\frac {\mu _{0}I}{2\pi R}}{\hat {\boldsymbol {\phi }}}} [4]

Campo no centro de um polígono de n lados

Geometria de um quadrado

De acordo com o raciocínio empregado anteriormente, o campo gerado no centro de um quadrado por um de seus lados vale: B = μ 0 I 4 π R ( sin θ 2 sin θ 1 ) z ^ , {\displaystyle \mathbf {B} ={\frac {\mu _{0}I}{4\pi R}}(\sin \theta _{2}-\sin \theta _{1})\mathbf {\hat {z}} ,}

já que o campo gerado por cada lado aponta na direção perpendicular ao plano do quadrado (ou seja, se o quadrado estiver contido no plano xy, o campo apontará na direção de z positivo). Pelo princípio de superposição, o campo gerado pelo quadrado é apenas a soma dos campos gerados por cada um de seus lados: B ( centro ) = 2 μ 0 I π R z ^ {\displaystyle \mathbf {B({\textrm {centro}})} ={\sqrt {2}}{\frac {\mu _{0}I}{\pi R}}\mathbf {\hat {z}} }

onde R {\displaystyle R} é a menor distância do centro do quadrado até um de seus lados. Podemos generalizar esse resultado para um polígono de n lados fazendo θ 1 = θ 2 = π n {\displaystyle \theta _{1}=-\theta _{2}=-{\frac {\pi }{n}}} . Então obtemos: B = n μ 0 I 2 π R sin ( π n ) z ^ {\displaystyle \mathbf {B} =n{\frac {\mu _{0}I}{2\pi R}}\sin \left({\frac {\pi }{n}}\right)\mathbf {\hat {z}} } [3]

Campo de uma espira circular no eixo

Campo de uma espira circular

Consideremos uma espira circular de raio R {\displaystyle R} percorrida por uma corrente estacionária de intensidade I {\displaystyle I} . Podemos usar a Lei de Biot-Savart para calcular o campo magnético a uma distância z {\displaystyle z} do eixo. Lembrando que: B ( r ) = μ 0 4 π I × η ^ η 2 d l {\displaystyle \mathbf {B} (\mathbf {r} )={\frac {\mu _{0}}{4\pi }}\int {\frac {\mathbf {I} \times \mathbf {\hat {\boldsymbol {\eta }}} }{\eta ^{2}}}dl'}

No caso da espira circular: η = z 2 + R 2 {\displaystyle \eta ={\sqrt {z^{2}+R^{2}}}}

Por questões de simetria, sobre o eixo as componentes do campo paralelas ao plano da espira se cancelam, restando apenas a componente ao longo do eixo. Da figura vê-se que: sin α = R r = R z 2 + R 2 {\displaystyle \sin \alpha ={\frac {R}{r}}={\frac {R}{\sqrt {z^{2}+R^{2}}}}}

Logo: B ( eixo ) = z ^ μ 0 4 π I d l η 2 sin α = z ^ μ 0 4 π I R ( z 2 + R 2 ) 3 / 2 d l = μ 0 2 I R 2 ( z 2 + R 2 ) 3 / 2 z ^ {\displaystyle \mathbf {B} ({\text{eixo}})=\mathbf {\hat {z}} {\frac {\mu _{0}}{4\pi }}I\int {\frac {dl}{\eta ^{2}}}\sin \alpha =\mathbf {\hat {z}} {\frac {\mu _{0}}{4\pi }}I{\frac {R}{(z^{2}+R^{2})^{3/2}}}\int dl={\frac {\mu _{0}}{2}}I{\frac {R^{2}}{(z^{2}+R^{2})^{3/2}}}\mathbf {\hat {z}} } [5]

Direção das linhas de campo magnético

Mesmo quando utilizar a Lei de Biot-Savart para calcular o valor do campo numa região não é a estratégia mais eficiente, ela pode nos dar informações sobre a direção das linhas de campo. Para um elemento infinitesimal de corrente, temos:

d B = μ 0 I 4 π d l × r ^ r 2 {\displaystyle d\mathbf {B} ={\frac {\mu _{0}I}{4\pi }}{\frac {d\mathbf {l} \times {\hat {\boldsymbol {r}}}}{r^{2}}}}

que nos diz que em cada ponto, o campo magnético terá a direção do pseudo-vetor d l × r ^ {\displaystyle d\mathbf {l} \times {\hat {\mathbf {r} }}} , que é dada pela regra da mão direita. Se posicionarmos o polegar na direção de um elemento de corrente e curvarmos nossos dedos de forma a envolvê-lo, obteremos a direção das linhas de campo naquele ponto.[5]

Ver também

Referências

  1. Feynman et al. The Feynman Lectures on Physics vol. 2, 2ª ed., editora Bookman, 2008.
  2. Whittaker, E. T, A History of the Theories of Aether and Electricity, 1910.
  3. a b Griffiths, D. J., Eletrodinâmica p. xv, 3a ed Pearson Addison Wesley, 2011.
  4. H. Moysés Nussenzveig, Curso de Física Básica 3, 1ª ed., editora Blucher.
  5. a b H. D. Young & R. A. Freedman, Física III: Eletromagnetismo, 12ª. ed., editora Pearson, São Paulo, Brasil, 2009.
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